sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Glória a Deus - A análise do pior debate de todos os tempos



Um lunático lendo a Bíblia nas considerações finais. Este foi o principal momento daquele que considero o pior debate da história da política brasileira. Ao menos dentre os que eu assisti. A minha frase favorita sobre o que ocorre no Brasil desde 2014 é “o Brasil tomou LSD e o efeito não passa”. Não sei quem é o(a) autor(a) da frase. A noite de ontem foi mais um momento do efeito que não passa.
Quase ninguém assistiu ao debate. Durante a sua exibição, a Band estava em quarto lugar na audiência, atrás inclusive do Programa do Ratinho. A emissora comemorava durante a transmissão a grande repercussão que o debate possuía nas redes sociais, repercussão causada em grande parte pelo uso de robôs por quase todas as candidaturas.
Ricardo Boechat foi muito mal como âncora. Permitiu que candidatos fugissem completamente ao tema das perguntas e tentou fazer uma piadinha constrangedora com um dos candidatos. Confundiu-se sobre as regras. Os demais jornalistas fizeram perguntas fracas.
A forma como debates são montados no Brasil não permite nada diferente de respostas vagas e simplistas sobre temas extremamente complexos. Não há como debater uma Reforma Educacional em um minuto e meio com quarenta e cinco segundo de réplica. Só há espaço para Alckmin repetir o slogan de “escola em tempo integral”, que promete e não cumpre em SP nestes dez milênios em que comanda o Estado, ou para Bolsonaro falar sobre o assustador, bizarro e medonho projeto de militarizar as escolas públicas, que o PSDB de Alckmin tem utilizado em Goiás.
As redes sociais terão um papel preponderante nesta eleição, talvez rivalizando com a televisão pela primeira vez. Aparentemente os publicitários do candidato fascista foram os únicos que perceberam isto até o momento, talvez por falta de opção. Em toda resposta, o candidato fascista buscava criar um vídeo de um minuto e meio para ser compartilhado em redes sociais com termos como “lacrou”. “Destaca-se” a ideia de armar a população. O formato de debates é ideal para sua visão de mundo distorcida, preconceituosa e para suas “propostas”. Corram para as montanhas.
O desempenho de Álvaro Dias foi medonho. Baseado neste debate, é realmente inacreditável que ele já tenha sido governador de um Estado. A pergunta parecia ser uma mera formalidade para o candidato, que respondia sobre o que lhe dava na telha. Se Cabo Daciolo aposta no “Glória a Deus”, Dias aposta no “Glória a Moro”, algo semelhante ao que Doria tenta fazer em SP. Prometeu que, se eleito, transformará Moro em Ministro da Justiça. Não se sabe se já falou com o juiz sobre o assunto. Apostar no “Deus” da Lava-Jato para atrair os fascistas lunáticos que o amam parece ser a única tática entre a repetição do pior slogan da história da política: “Abra o olho”. O lado interessante é a contradição, uma vez que, ao mesmo tempo em que repete que a Lava Jato deve agir livremente da política, sem interferência do governo, o plano de trazer Moro para o governo é exatamente para que este passe a interferir na operação.
Alckmin pareceu ser o alvo principal dos demais candidatos. Num dos poucos momentos interessantes do debate para mim, apontou o pluripartidarismo (no que se refere ao elevado número de partido, e não ao modelo em si) como principal problema político do país, no que está certo. Infelizmente, não houve interesse dos demais candidatos em aprofundar o assunto. Nos demais momentos, foi o Alckmin de sempre. Assisto-o em debates desde 2002 e é sempre a mesma coisa. Repetição eterna de coisas que não fez como se fossem slogans. Foi o que teve mais tempo e não conseguiu chamar a atenção em momento algum.
Marina foi Marina. Proporá um debate sobre todos os assuntos, enquanto busca fugir de todos os assuntos mais espinhosos. Um outro momento que poderia ser bom no debate foi quando ela e Ciro começaram a dialogar sobre a transposição do Rio São Francisco. Infelizmente não houve tempo para que o diálogo fosse longe, provavelmente deram espaço para Cabo Daciolo falar sobre Deus ou Álvaro Dias dar um sorriso assustador.
Boulos se mostrou muito articulado, mas falhou na tentativa de confrontar abertamente mais vezes os candidatos da direita, especialmente Alckmin. Não teve oportunidade para isto. Merece créditos por ter trazido a pauta a discussão sobre o aborto. E também teve a coragem de chamar o candidato fascista de racista e misógino, coisa que nenhum outro fez, uma semana depois do vice deste candidato ter dito a frase mais racista da eleição. Combater o fascismo deveria ser o foco de qualquer sociedade decente. O pior debate da história, porém, mostrou mais uma vez que já deixamos de ser isto.
Ciro tenta se encontrar após o fracasso de suas táticas de campanha. É, a meu ver, muito bem preparado, mas não consegue falar numa linguagem popular. Ganhou pontos comigo ao acusar o golpe em 2016, mas perdeu ao tentar elogiar Moro. Foi também muito pouco perguntado.
Por último, o grande vencedor do pior debate da história. Cabo Daciolo se mostrou o pior candidato desta eleição, isto tendo como concorrente Bolsonaro. Foi o candidato mais comentado no dia seguinte. A maioria das pessoas que conheço riu de todas as sandices que ele disse. Também já rimos de Bolsonaro quando ele começou. Se a tragédia total se aproxima, já temos um candidato à farsa. Um país que não conhece sua própria história permite que dois personagens deste tipo surjam. Que Deus nos salve.

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