sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Renata não lacrou. E o silêncio covarde de Bonner.



Nesta semana assistimos às entrevistas de quatro dos cinco principais candidatos à presidência no Jornal Nacional. É inegável que é um dos momentos mais importantes da campanha, uma vez que os candidatos tiveram a chance de falar com um público gigantesco, aproximadamente 50 milhões de pessoas. O resultado foi um verdadeiro show de horrores. Não por culpa dos candidatos, mas sim por culpa dos apresentadores.
Em algum momento da nossa história recente se tornou “legal” para o jornalista enfrentar o político, cortando-o sempre que possível. É sinal de “coragem” e o jornalista ganha um mérito ainda maior quando consegue tirar o político do sério. Mostra seu destempero. Político xingando vale milhões de visualizações no youtube, muitas curtidas no facebook e retuítadas. Eu acredito que isto tenha começado com o CQC. Não à toa os dois integrantes daquele programa que faziam este papel grosseiro de ataque a políticos foram os que conseguiram maior destaque fora do programa, Danilo Gentili e Monica Iozzi. O objetivo não era trazer a pauta alguma reflexão importante ou debater os rumos do país, era pegar o político de sopetão e fazê-lo se perder, agradando assim a sede de vingança de uma parte dos telespectadores que consideram a classe política a causa de todos os males que existem. O jornalista usando o político como escada.
Bonner e Renata pareciam repórteres do CQC. As entrevistas se basearam basicamente em polêmicas quase sempre inúteis, com o tempo sendo preenchido com os candidatos tentando encontrar algum jeito de se livrar delas enquanto os jornalistas, passivamente, interrompiam-os sempre que possível, fosse para fazer a mesma pergunta inútil pela terceira vez ou para falar que queriam tratar de outro assunto no momento em que o candidato finalmente tentava apresentar algo. O próximo assunto era quase sempre uma picuinha tão ridícula quanto à da pergunta anterior.
Economia, saúde, mobilidade, reforma política, tudo isto ficou em segundo plano para perguntas sobre corrupção envolvendo aliados muitas vezes distantes, críticas a alianças feitas e críticas a alianças não feitas. Na entrevista com Ciro, o candidato teve que passar preciosos falando sobre uma denúncia que nem sabia que existia contra o presidente do seu partido. Outros minutos foram perdidos falando sobre sua relação com Kátia Abreu, em que teve que falar basicamente o óbvio, que ela é diferente dele, afinal uma pessoa não é igual à outra. O mesmo aconteceu na entrevista de Marina, quando ela teve que se explicar sobre Eduardo Jorge e com Alckmin, quando este teve que se explicar sobre Ana Amélia. Política se faz com alianças, afinal. Alckmin foi interrogado sobre o fato de ter feito alianças. Foi criticado por apoiar Collor em AL. Collor que é o dono da afiliada da Globo no estado, aliás. Marina foi interrogada sobre o fato de não ter feito alianças. Até o momento em que os jornalistas começaram a criticar também as alianças que Marina fez nos estados. Longos minutos que poderiam ser gastos com saúde foram gastos para falar que REDE e PSDB estão juntas no Amapá.
Ciro tentou falar sobre sua importante proposta de ajudar as pessoas a limparem o nome, sendo ridicularizado por Bonner que o interrompia quando tentava explicar seu programa. Marina tentou falar sobre meio ambiente, sua especialidade, sendo cortada o tempo todo por Renata, que dizia que suas exigências ambientais tornavam as licenças muito lentas. Alckmin tentava falar sobre reforma política, sendo cortado pelos dois jornalistas que queriam saber sobre a Dersa. Um dos principais motivos da crise política, econômica e sobretudo moral que vivemos, que pode estar empurrando o país para uma onda fascista e autoritária, é este comportamento da mídia, incapaz de levar qualquer profundidade aos debates.
Num cenário em que ninguém consegue espaço para apresentar propostas, sobressai-se aquele que não tem nenhuma proposta para apresentar. Bolsonaro é o rei do bate-boca. Saiu de deputado insignificante para segundo colocado nas pesquisas presidenciais desta forma. É o único que está sempre preparado para o tipo de baixaria que o JN forneceu. Numa entrevista que forneceu espaço apenas para polêmicas, pôde fazer sua mensagem homofóbica, racista e machista chegar a um número nunca antes visto de lares brasileiros. Os jornalistas, de forma irresponsável, deram todo o espaço para ele expor seus pensamentos, tentando em seguida “lacrar”. Renata Vasconcelos fez uma pergunta sobre desigualdade entre homem e mulher no mercado de trabalho, claramente esperando o momento de uma réplica que a permitisse ser a heroína da vez nas redes sociais. Ao comparar o salário de Bonner com o de Renata, recebeu a  resposta da jornalista que não repetirei aqui, porque todos acho que já a viram. Resumindo, a jornalista disse o seguinte: “Meu salário não é da conta de ninguém”. Desculpa, mas é sim! Não o quanto ela recebe, claro, mas é da conta da sociedade sim se a empresa em que ela trabalha paga salários diferentes para homens e mulheres. Por isso, sim, é da nossa conta sim. Do mesmo jeito que é da nossa conta se a empresa que ela trabalha não dá o espaço devido a pessoas negras na sua programação. Disse em seguida que “jamais se sujeitaria a aceitar um trabalho em que ganhasse menos que um homem”. Desculpa, mas provavelmente se sujeitaria sim, e é este o X da questão. Como trabalhadores não temos outra opção, a não ser que o Estado interfira ao nosso lado para igualar forças. Se ela hoje pode não se sujeitar, isto é apenas um privilégio que pouquíssimas pessoas têm e nada é mais ridículo do que se orgulhar de um privilégio. Por último, Renata interpelou Bolsonaro sobre uma das muitas mentiras que o candidato fascista propagou nos últimos anos e que o fizeram ganhar espaço na mídia, o tal do “kit gay”. A boa tentativa petista de discutir igualdade e combater preconceito nas escolas foi totalmente distorcida pela parte mais reacionária da mídia e do congresso. Ao tentar mostrar o kit na TV, Renata pediu ao candidato que não o mostrasse porque “crianças estavam assistindo”. Não. Definitivamente Renata não lacrou.
A pior parte do bate-boca, porém, veio quando Bonner interpelou Bolsonaro sobre a forma como o candidato fascista ainda apoia o golpe de 1964. Bolsonaro respondeu, mais uma vez, citando o apoio de Roberto Marinho ao golpe e perguntando, “o doutor Roberto Marinho não era um democrata?”. Bonner foi incapaz de responder, “não, não era”, ficando simplesmente em silêncio. Ele sabe a verdade, mas esta é menos importante do que o seu emprego. E estamos falando de alguém consagrado, que conseguiria outro emprego caso sua empresa o demitisse por dizer a verdade. Preferiu o silêncio covarde. O fascismo triunfa não apenas pela manipulação de massas desinformadas através do ódio. Triunfa também graças ao silêncio covarde de letrados como Bonner. É a manifestação da banalidade do mal.

2 comentários:

  1. João,

    Aqui é o Leandro Torelli. Brilhante análise das estúpidas entrevistas dos presidenciáveis no JN. O jornalismo de baixa qualidade, me permita a analogia com a frase de Darcy Ribeiro sobre educação, "não é por acaso, é um projeto".

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    1. Fala Leandro, muito obrigado pela visita aqui no blog. Você é um cara muito inteligente e das pessoas que conheço que mais entende de história, sinta-se à vontade para dar ideias por aqui, principalmente para criticar quando achar que eu disse bobagem.
      E concordo com a sua analogia.
      Abraços.

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