quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Reflexões sobre o crescimento de Amoedo



Tenho observado nas minhas redes sociais um crescimento significativo no número de pessoas que divulga e compartilha coisas favoráveis à candidatura de João Amoedo, do Partido Novo. Deixando bem claro que todas estas pessoas fazem parte da mesma bolha, a de pessoas de classe média de uma grande cidade, que é a bolha em que vivo afinal, e que provavelmente a candidatura de Amoedo sofrerá uma desidratação nas últimas semanas de campanha, em que boa parte do seu atual eleitorado procurará Alckmin por voto útil, acho importante refletirmos sobre o que este sucesso de Amoedo entre estas pessoas tem a dizer sobre esta parte da sociedade.
A primeira explicação para este sucesso de Amoedo, a meu ver, vem da forma como ele se comunica. Toda esta comunicação se dá através do que chamo de slogans, que são frases curtas totalmente desprovidas de algum conteúdo mais complexo, mas que grudam na cabeça de pessoas indispostas à real reflexão sobre qualquer assunto. Toda comunicação de grande massa no mercado é feita através de slogans. “Just do it”, diz a Nike ao vender seus tênis. Fazer o que exatamente? “I’m loving it”, diz o McDonalds ao vender lanches. Amando o que exatamente? São frases que não significam absolutamente nada e que podem ser usadas para qualquer coisa. “Just do it”, podemos falar ao comer um sanduíche. “I’m loving it” eu também posso dizer enquanto calço um tênis. As frases parecem que fazem sentido quando as invertemos porque na verdade não há sentido algum. Não há nada sendo dito. Mais ou menos quando dizem “Venha conhecer o Novo”. Usa-se na política o mesmo slogan que é usado, sei lá, por um jovem que apresenta um cigarro para o outro. É uma forma de seduzir sem dizer nada e de ser atraído sem ter que pensar. Um jeito de vender seu produto aos seus consumidores.
Frases feitas, vídeos curtos, slogans, quase sempre com o candidato “lacrando”. Ideias vagas, mas ao mesmo tempo de fácil incorporação a um público que quer algo “Novo”. É assim que Amoedo tem conquistado eleitores. O vídeo mais divertido que vi dele até o momento é um em que ele está no jardim do Palácio do Planalto, reclamando do custo de manutenção daquele jardim, que se não me engano ele diz que é de R$ 4 milhões por ano. A primeira reação de seus consumidores é de revolta, uma vez que a tendência é comparar este gasto com, sei lá, o seu salário. Amoedo não se interessa em verificar o quanto estes R$ 4 milhões representam o orçamento anual do governo. Também não se interessa em verificar o quanto outros governos gastam em comparação com o brasileiro e, finalmente, não faz cotações para saber se o governo paga um preço justo em sua manutenção. Tudo isto traria sentido à sua comparação e a lógica do uso de slogans é impedir que haja algum conteúdo no que é dito. Após o slogan, Amoedo traz uma “solução”, com uso bem justo de aspas, que é a transformação do Palácio do Planalto num museu. Isto significaria que não seria mais preciso cortar a grama? O presidente moraria onde exatamente? Ele faria como Aécio Neves, que governava Minas Gerais e morava numa cobertura na Barra da Tijuca? Seria importante saber onde vai morar o Presidente da República, uma vez que ele é o chefe de Estado e possui informações sobre todas as informações de segurança nacional. É importante que um cara destes esteja seguro. Ah, mas Amoedo disse que vai cortar a segurança também. Perigoso isso, não? Slogans não exigem respostas e reflexões, apenas entram na sua cabeça. São ordens, obedeçam.
Entrei no programa de Amoedo, disponível na Internet. Fiz aqui uma seleção dos slogans e clichês mais vazios: “Vamos exigir liberdade com responsabilidade”. “Vamos discutir mais ideias e menos pessoas”. “Queremos um Brasil seguro, simples e livre, onde todos possam chegar lá”. A mais interessante que achei, porém, é a seguinte “A representatividade é o caminho para a construção de um Brasil mais seguro, simples e livre”. Falarei sobre esta última a seguir.
Todo cidadão é dono de um importante e útil saber, independente da sua profissão e de sua escolaridade. Saber é diferente de instrução. Toda pessoa tem um saber que pode e deve ser utilizado na vida pública. Um caminhoneiro, por exemplo, tem muito a contribuir em debates sobre transporte. Um motorista de ônibus tem uma visão importantíssima sobre mobilidade urbana. Um gari pode ajudar e MUITO em debates sobre higiene e coleta seletiva. Seria muito importante trazer toda esta galera para a esfera pública, incentivando-os a concorrer a cargos públicos. Ouvir o que esta galera tem a dizer. O Partido Novo vai na esfera contrária, orgulhando-se em 2016 de ter no seu quadro de candidatos apenas pessoas com “diploma superior”. Consideram que apenas estes têm um conhecimento válido e devem participar do debate. Quase como um “conselho de sábios”. Mas e a representatividade citada no slogan do parágrafo anterior. É só um slogan, não significa nada.
Um fenômeno interessante do séc. XXI é o do bancário que acha que é banqueiro. Esta comparação serve como metáfora para falar sobre o trabalhador que defende o interesse empresarial. A melhor explicação dada a este fenômeno é de Marilena Chauí. Passamos por um processo de transformação de direitos em serviços. O setor privado oferece hoje tudo aquilo que o governo já oferecia. A diferença é que enquanto no setor público somos tratados como cidadãos, no setor privado somos tratados como consumidores. Para que de certa forma normatizemos isto, é necessário que o cidadão se acostume a ser apenas um consumidor. Isto se faz através do estímulo ao individualismo.
A base do discurso de slogans do Novo é que o Estado é seu inimigo. E o é porque representa o público, aquilo que difere do individual. A sua “destruição”, portanto, é o foco principal e para isto é fundamental que o outrora cidadão abra mão dos seus direitos para se tornar um consumidor em busca de serviços. O individualismo nos impede de lutar para que tenhamos um serviço de saúde pública que funcione, ou uma educação pública de qualidade, ou segurança pública etc. O individualismo nos leva a lutar contra o Estado que não fornece estes serviços da forma como deveria e a defender a compra destes serviços no setor privado. Parece ser o caminho mais “fácil” para a classe média defender o fim dos impostos que bancam os serviços públicos do que exigir que estes impostos se tornem serviços melhores.
O Brasil possui uma sociedade extremamente desigual, fruto de verdadeiras tragédias históricas, principalmente a escravidão. A principal função do Estado é combate-las, a isto chamo de verdadeira igualdade. O que faz o Novo sobre este assunto? Nega a existência de privilégios. Se eles não existem, logo o Estado não precisa entrar neste assunto. Qual o debate que o Novo propõe sobre isto? Nenhum, apenas algum slogan que deva ser aplicado com o apelido de meritocracia. Ou algum slogan dizendo que os verdadeiros "privilegiados" são os funcionários públicos. Este tipo de discurso cai bem para uma classe média frustrada que quer enxergar seus sucessos como mero fruto de algum talento, na maioria das vezes inexistente, e não de um processo histórico que a colocou em situações vantajosas.
O setor privado exige que os serviços públicos não funcionem. Ele é dependente das falhas do serviço público. Elas geram muito dinheiro aos investidores internacionais e nacionais. Veja o quanto valorizaram as ações da Kroton (educação) nestes últimos tempos. Ou o aumento significativo de planos de previdência em bancos privados com a discussão sobre a Reforma do setor público. Quanto o setor de segurança privada não lucra com os problemas de segurança no Brasil? Todos os bancos hoje também têm seguradoras, eles realmente têm algum interesse em contribuir no assunto?
Amoedo com certeza não. Todo seu plano de governo visa à destruição do Estado como garantidor de direitos e a sua substituição pelo setor privado. A justificação é quase sempre através de slogans. Não há espaço para reflexão. O que o Novo propõe é basicamente uma volta à República Velha, momento em que o Estado se punha basicamente à disposição dos interesses dos grandes cafeicultores paulistas e não se enxergava como responsável pela correção de injustiças e pelo desenvolvimento do país. Substitua “cafeicultores paulistas” por “rentistas paulistas” e basicamente chegaremos ao plano de governo do Novo. O principal sintoma que seu crescimento mostra é que a classe média realmente se acostumou a abrir mão de direitos e trocá-los por serviços. E não quer pensar muito a respeito. Como chamar de Novo algo que tenta copiar um período histórico que entrou para história com o nome de República Velha? Como chamar de Novo um partido tão elitista? Não importa, o nome do partido é só um slogan. Just do it !

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