Ingressei no Tinder um tempo
depois de terminar um namoro e descobrir que não tinha o menor pique para a
típica vida de solteiro novamente. Balada se tornou algo muito próximo do
insuportável para mim. Pessoalmente, não posso negar que o aplicativo seja
muito bom para conhecer gente legal, afinal é muito bom conversar com uma
pessoa antes de sair com ela. Dá pra pelo menos saber que você não está saindo
com uma pessoa idiota e, bom, pelo menos um gostou da aparência do outro. Para
alguém tímido, isto é realmente fundamental. O Tinder é também, porém, um interessante
instrumento para análises sociais.
No Tinder somos todos tratados
como mercadoria. Desde o momento em que ingressamos. O mecanismo de gostei ou
não gostei vem com um v verde para gostei e um x vermelho para não gostei. As
fotos vão aparecendo em sequência e você “guarda” as pessoas das quais a
aparência gostou e simplesmente descarta aquelas que não gostou. Com um X ou
com um deslize do dedo para a esquerda. Como uma vassoura, você varre pessoas
da sua vida baseando-se basicamente na aparência delas.
A escolha das suas fotos é o
primeiro e mais fundamental passo nestes aplicativos. É o momento em que você
vende o seu produto. “Queiram me conhecer”, é o que cada foto diz. Nelas você
mostra não apenas o que gosta de si mesmo, mas o que quer que a outra pessoa
também goste. A primeira coisa que percebi pelo Tinder é que as pessoas gostam
de mostrar viagens. Creio que as paisagens mais frequentemente vistas no
aplicativo são a Torre Eiffel e a Estátua da Liberdade. Viagens mostram alguma
independência financeira e um suposto conhecimento do mundo. “Venha me
conhecer, eu tô bem de grana e tenho cultura”. Fotos brincando na neve são
muito comuns também. Nem sempre representam isto, claro, mas é o que tentam
representar. Sociedade das aparências afinal. Outro tipo de foto frequente é a
com animais dopados, especialmente no zoológico de Buenos Aires. Pessoalmente
acho esta foto clássica de extremo mau gosto, mas acho que de certa forma as
pessoas querem mostrar que são “destemidas”. Assim como nas fotos pulando de paraquedas.
Tentativa de se mostrar uma pessoa aventureira. Muitas fotos de pessoas
correndo e felizes. “Sou saudável”. Por último, uma foto muito frequente da
minha experiência nestes aplicativos é a de pessoas numa festa tomando vinho. “Gosto
de curtir a vida”, esta foto quer dizer.
Quando você entra no Tinder, as
primeiras informações que você põe são idade e profissão. Não lembro se é no
Tinder, no Happn ou nos dois, mas lembro que pelo menos no Happn a profissão é
a única coisa que aparece junto com sua foto. Eu, por exemplo, sou o João
economista. Nossa sociedade é vazia e na maioria das vezes a única coisa que
temos realmente a apresentar é o nosso trabalho. Somos o que fazemos e queremos
logo de cara saber o que a outra pessoa faz. O Brasil é um país hierárquico e escroto,
muito raramente as pessoas querem muito contato com gente que não tenha um “emprego
legal”. Pelo menos aquelas que usam estes aplicativos. Caso você tenha
interesse, na hora que você clica na foto da pessoa pode ser que tenha uma
pequena biografia escrita por ela. A minha, por exemplo, estava em branco. Mas
lê-las era interessante, as pessoas muitas vezes escreviam o que gostam e o que
não gostam de fazer. Entre mulheres, por exemplo, pude concluir que o fumo se
tornou uma atividade muito impopular. As duas coisas que mais me impressionavam
pela frequência, porém, eram: “Dê um X se você for casado” (maior frequência) e
“Não me mande fotos de pau” (menor frequência).
Curioso sobre o assunto, fui
conversar com uma amiga minha que usa estes aplicativos para tentar entender
também como é o perfil dos homens que aparecem para ela na rede. Concordamos
que eu passaria uma tarde vendo as fotos e dando X depois de ler as biografias.
Ela ficou do meu lado, porque não queria que eu desperdiçasse “algum gatinho”
que aparecesse. A primeira pergunta que fiz foi sobre essa questão de aparecer
muito homem casado. Ela respondeu apenas que “sim”. Sobre a questão das fotos
de paus, ela foi mais incisiva. “Siiiiim. É uma verdadeira epidemia masculina.
Vocês homens realmente deveriam conversar entre si sobre isso”.
Pude ver que há muitas
semelhanças e algumas diferenças entre a forma como homens e mulheres se vendem
nestes aplicativos. Torre Eiffel, Estátua da Liberdade, neve, fotos correndo e
bebidas fazem parte do cardápio. Duas diferenças, porém, chamaram a minha
atenção. Uma era esperada. Homens adoram colocar fotos de carros, especialmente
no salão do automóvel. Tentei refletir sobre o motivo de homens acharem sensual
estarem ao lado de um veículo que claramente não é deles e nunca será. A única
resposta possível que achei é que isto pode demonstrar “ambição”. Algo do tipo “quero
ter este carro e dedicarei minha vida a isto. Venha comigo nesta jornada”. A
segunda diferença, porém, eu não imaginava que existia. Homens adoram colocar
fotos participando ou organizando churrascos.
Perguntei à minha amiga se era
sempre assim e ela disse que nunca tinha reparado nisso. Louco por reflexões
inúteis, pus-me a pensar sobre o significado do churrasco naquelas fotos. O
enigma começou a ser desfeito na minha cabeça no último sábado. Estava num
aniversário, sentado meio num canto com uma cerveja, quando numa conversa da
qual eu não fazia parte ouvi um homem gay dizer: “Não sei porque homem hétero
gosta tanto de churrasco”. Mais tarde, conversando com outra pessoa, descobri
que aquele homem tinha organizado um churrasco na final da Copa do Mundo e
disse, após o evento, que a partir daquele dia todas as suas festas teriam o
formato de churrasco. Segundo ele, sempre aparece um homem hétero no evento que
se propõe a cuidar da churrasqueira, permitindo a ele curtir a própria festa.
Numa conversa com um ex-chefe (o
mesmo que citei no texto anterior aliás), lembro-me de uma conversa que tivemos
sobre investimentos. Eu sou o “João economista”, mas pouca gente sabe que eu
sou possivelmente o pior economista do mundo e com alguma frequência me
procuram para pedir dicas sobre este assunto. Ele havia acabado de terminar as
prestações de um apartamento. Viciado em dívidas, porém, estava querendo usar o
apartamento recém-pago para dar entrada em outro, com o dobro do preço. O principal
motivo apontado pelo ex-chefe é que ele queria ter uma varanda gourmet com
churrasqueira, para ter um espaço para chamar uns amigos e “assar uma carne”.
Respondi falando que ele deveria tirar um mês de férias e torrar uma grana numa
viagem muito foda com a esposa. Acho que ele não me ouviu.
Pensando nas minhas experiências
de churrasco, lembrei-me de um que a minha mãe organizou no quintal quando eu
era criança. Um tio meu compareceu e houve um debate entre ele e minha mãe
sobre quem deveria conduzir a churrasqueira. Meu tio venceu com o seguinte
argumento “Gina, eu tenho mais de 30 anos de experiência com churrasco”. Eu
acho que não sei fazer churrasco. Nunca organizei um. Acho que deve ser
basicamente jogar fogo num carvão e deixar a carne temperada lá. Mas deve ter
mais coisas. Lembrei-me também de uma vez que disse numa mesa de amigos que eu
nunca tinha feito um churrasco na vida. Um deles me chamou de filhinho de mamãe
por isso. Foi com esta lembrança que de alguma forma consegui começar a
resolver a charada na minha cabeça.
Sou realmente filhinho de mamãe.
Fui uma pessoa que nunca fez nada na infância e na adolescência. E meu amigo
descobriu isto apenas porque eu disse que nunca tinha organizado um churrasco
na vida. Ele basicamente descreveu 18 anos da minha vida com esta informação.
Talvez seja isto que homens queiram dizer com esta foto. “Sou tão independente
que sei fazer um churrasco”. Talvez falte isto para minha existência, ser capaz
de assar uma carne.
O Tinder foi aos poucos perdendo
espaço para o Happn. O motivo é que as pessoas mais ricas, bonitas etc. não
estavam gostando da popularização do aplicativo. Muitas pessoas que não tinham
ido para a Torre Eiffel ou para a Estátua da Liberdade começaram a aparecer e
gerou um incômodo. Descartar com um X não era mais suficiente, era necessário
criar outro aplicativo em que estas pessoas não estivessem. Desta forma, surgiu
o Happn. Mais ou menos como Orkut e Facebook. Mais ou menos como educação,
saúde e aposentadoria, aliás. A educação pública era boa. Mais pessoas
começaram a ter acesso. Pessoas ricas e de classe média começaram a tirar seus
filhos da escola pública e as colocaram nas privadas. Sem interesse
governamental, a escola pública degringolou. A saúde pública era boa. Mais
pessoas começaram a ter acesso. Pessoas ricas e de classe média começaram a pagar
planos de saúde para não ter que usar o mesmo espaço do povão. Sem interesse
governamental, a saúde pública degringolou. Agora é a vez da aposentadoria. Os
bancos, grandes financiadores das campanhas eleitorais junto com as
empreiteiras, já estão lucrando horrores com a corrida da classe média para a previdência
privada. Contam com o apoio da grande mídia, que tem nestes bancos seus
principais apoiadores publicitários. É tudo uma roda de escrotidão. Do assunto
mais sério ao assunto mais banal, como o Tinder. Nossa sociedade gosta de
exclusividade, status e aparência. E também de churrasco.
Churrasco é a melhor maneira de socializar que existe. Carne, cerveja, zoeira, mais carne, mais cerveja, mais carne, mais cerveja... e por aí vai. Pensar não faz muito o estilo da galera.
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