A Editora Abril promoveu hoje
mais um corte de títulos e de funcionários. Títulos tradicionais como Elle,
Mundo Estranho e Casa Claudia deixam de existir. Fechamentos de títulos têm
sido recorrentes na Abril desde a morte de Roberto Civita. Goste-se ou não,
Civita tinha um certo amor pelo negócio. Após seu falecimento, a gestão da
Abril foi terceirizada pela família a jovens do mundo financeiro que, bom,
fazem aquilo que eles sabem fazer. Cortam e demitem. Se algo não dá resultado,
não procure achar um jeito de tornar aquilo lucrativo, simplesmente feche. É a
base de toda “teoria de negócios do MBA”, afinal. Primeiro você terceiriza e se
livra de responsabilidades. Arrume alguém para culpar. Depois feche,
apresentando sempre números.
Trabalhei por muito tempo no
setor editorial. Era como trabalhar numa fábrica de discos de vinil no final
dos anos 1980. Ou como trabalhar numa fábrica de vídeo cassete no final dos
anos 1990. A ideia é sempre tentar adiar o inadiável. Mais do que isto, na
maioria das vezes o foco não era no produto. Lembro-me de uma promoção tida
como “bem-sucedida” em que as pessoas compravam a assinatura de uma ou mais
revistas em aeroportos e ganhavam como “brinde” uma mala de viagens. Ninguém
estava interessado na revista, mas sim na mala. As pessoas na empresa achavam
totalmente normal que uma editora estivesse vendendo malas. Era assim também
com facas, DVDs e todos os outros tipos de “brindes” que apareciam.
As revistas perderam quase toda a
relevância no nosso mundo. E o pior é que se contentaram com isto. Dos assuntos
que me interesso, sinto que a revista Piauí é a única que traz conteúdo
minimamente relevante. Posso estar errado sobre outros meios, mas o que sinto é
que não é muito diferente. A revista VIP, por exemplo, fechada hoje, era um
grande desperdício de árvores, com todo o respeito aos profissionais que lá
trabalhavam. O mesmo acontece com a revista GQ, sua concorrente.
Poucos ambientes são tão pouco
diversos quanto as redações das revistas. Usando novamente o local em que eu
trabalhava como base, a revista do público jovem descolado era feita por jovens
brancos de classe média descolados, que se vestiam sempre da mesma forma
descolada para falar sobre jovens brancos de classe média brancos descolados. A
revista feminina chique era basicamente feita por mulheres brancas de classe
média escrevendo sobre vida de mulheres brancas de classe média. A revista de
negócios era basicamente feita por jovens engravatados brancos sobre
investimentos para jovens engravatados brancos. Aliás, se tem uma coisa que me
diverte são essas revistas de editoras falidas ensinando gestão. Editoras são
ambientes extremamente conservadores num mundo em transformação. Não conseguem
entender que o momento exige diversidade. As grandes editoras não percebem que
o público quer histórias melhores e mais interessantes. Tenho um amigo que
participou da produção de “Jeremias” para o grupo Maurício de Souza. Ele é
negro e o grupo teve a inteligência de convidar pessoas negras para escrever
uma história sobre o único personagem negro do grupo. A história é um sucesso
de vendas, provavelmente o maior sucesso do grupo nos últimos tempos. Isto fez
com que o grupo o convidasse para reuniões sobre outros materiais. Este meu
amigo me contou das dificuldades que as pessoas brancas têm em entendê-lo. O
conflito de ideias e de mundo é fundamental para gerar um bom trabalho.
Não há ambiente mais egocêntrico do
que redação de revista. Como as redações são repletas de pessoas iguais, elas
estão sempre se bajulando e se achando geniais. Lembro-me de uma conversa com
um fotógrafo de revista de celebridades que se achava um gênio e tratava todo
mundo mal porque era paparazzi, possivelmente o trabalho mais babaca e inútil
do mundo (Desculpe se você for paparazzi). A falta de diversidade leva a uma
ausência de críticas que os impedem de enxergar a inutilidade do próprio
trabalho.
Os “gênios” do mercado financeiro
que assumiram as gestões das grandes editoras apostaram no meio digital. A
principal característica do meio digital é que nele não é necessária a
existência de um intermediário entre aquele que tem a opinião ou a informação e
o leitor que a consome. Ao investir no mundo digital, as editoras apostaram num
meio em que não são necessárias. Apenas no meio impresso é necessária uma
empresa que junte a informação e a opinião de vários jornalistas e as junte de
forma econômica.
O cenário é triste. As três maiores
revistas semanais de informação, por exemplo, sobrevivem graças à publicidade
de estatais e à compra de assinaturas realizada por governos estaduais e municipais.
A responsabilidade maior é da má qualidade do conteúdo. Diversidade, papel e
gente que gosta do meio no comando. São os três caminhos para a salvação das
editoras. Elas apostam no contrário. Quem sabe as revistas voltem daqui a 30 anos,
mais ou menos como acontece com o vinil agora. Como relíquias para um público
retrô.
Gostei da análise. Também concordo que uma gestão ineficaz, sem visão e, principalmente, sem compromisso con o leitor em geral é uma das maiores causas do declínio das editoras.
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