“O Brasil usou LSD e o efeito não
passa”. Li essa frase em algum momento durante o processo de hipnose coletiva que
culminou com o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff. Procurei, mas não
encontrei de quem é a citação com que começo este texto. Desde já peço
desculpas por este erro. Nesta verdadeira “era do
alucinógeno”, tivemos em dois dias a “notícia” e a repercussão de “notícia”
que, a meu ver, conseguiram superar qualquer obra possível de ficção. Nem a
mente mais criativa poderia chegar a isso, a um momento em que a "notícia" da semana seria uma não-notícia.
A “notícia” é: “Luciano Huck
anuncia que não será candidato à presidência”. O uso de aspas para o termo “notícia”
é porque tenho dúvidas reais se isto é uma notícia. Huck nunca anunciou que
seria candidato. Podemos chamar então esta “notícia” de não-notícia, sem aspas.
A não-notícia de Huck foi capa do principal jornal da principal cidade do país.
O texto, escrito pelo próprio não-candidato (ou que ao menos assinou a matéria,
sabe-se lá se ele a escreveu mesmo), baseia-se basicamente no egocentrismo. O
não-candidato da vez passa o texto todo se elogiando. Começa o não-anúncio com uma introdução sobre
a Odisséia de Homero de três parágrafos que não tem relação nenhuma com o
restante do texto, basicamente pra tentar mostrar que já leu esse livro,
sabe-se lá o porquê. No restante, começa a mostrar tudo que enxerga como sendo
as suas qualidades. O não-candidato é, segundo o texto que ele diz ter escrito,
curioso, apaixonado, corajoso, andarilho, gente boa, intuitivo e obcecado. Se
ele escreve tudo isto em um texto em que se declara não-candidato, fico
imaginando como ele se descreveria num texto em que se declarasse candidato. Ao
final, o não-candidato diz que quer “continuar” contribuindo com o Brasil, sem
explicar muito bem como contribuiu até agora. Explorando o fetiche adolescente
com personagens que transformam mulheres em objetos? Invadindo terrenos públicos
para criar uma espécie de quintal para sua mansão na praia? Explorando o
assistencialismo televisivo? Servindo de papagaio de pirata para celebridades
estrangeiras?
A não-notícia aconteceu na
segunda-feira. Na sexta-feira anterior, a terceira revista semanal de maior
circulação trazia na capa o mesmo não-candidato. Chamava sua ascensão de “meteórica”
e dizia que mesmo não sendo candidato, o não-candidato já havia mudado o eixo
do debate. O lado curioso dessa mudança de eixo que a revista apregoa é que as
pesquisas antes e depois da cogitação da candidatura do não-candidato
apresentavam os mesmíssimos números. Antes, Lula liderava com Bolsonaro e
Marina empatados em segundo. Hoje, Lula lidera com Bolsonaro e Marina empatados
em segundo. Um dia depois de anunciar a não-candidatura, o não-candidato foi
entrevistado com pompa pela revista semanal de maior circulação. A não-notícia
segue sendo a “notícia” da semana.
Há quase um ano, o não-candidato
daquele momento era o publicitário Roberto Justus. Desesperados com o fato de
que a eleição do ano que vem pode destruir o “projeto” que chegou ao poder com
ascensão de Temer através de um golpe parlamentar, a elite e o mercado se
esforçam para criar um candidato que mantenha as reformas impopulares do atual
governo golpista e, mais do que isto, que consiga a legitimidade das urnas que
este governo não tem. Após a vitória de um apresentador do Aprendiz na eleição
americana e de um apresentador do mesmo reality show na eleição para prefeitura
paulistana, o nome de Justus animou o mercado. A leitura é que a população está
disposta a comprar um político que se apresente como mudança e nada melhor para
o mercado financeiro que esta “mudança” venha com alguém homem, branco, de
elite e disposto a manter tudo que o atual governo tem feito. O não-candidato
de janeiro anunciou a sua não candidatura no mesmo jornal que o não-candidato
de novembro. Sua não-candidatura, porém, não teve a enorme repercussão da não-candidatura atual, talvez porque agora o desespero seja maior. A carta daquele não-candidato é, aliás, bem parecida com a do
atual não-candidato, com exceção do começo bizarro com a Odisseia da carta
atual. Muito egocentrismo, autoelogios e finalizando com a ideia de que ele vai
“continuar ajudando o Brasil”. Após anunciar a sua não candidatura, o
não-candidato de janeiro começou a preparação para a apresentação do reality
show a Fazenda, da Record, que traz como principal atração o participante que
foi afastado do programa da concorrente Globo por assédio sexual. Seria esta a
ajuda?
Entre as duas não candidaturas
televisivas, houve ainda a não-candidatura do prefeito de São Paulo, João Doria
Jr., que ainda sonha em ser candidato. O mercado se animou inicialmente com
esta não-candidatura, mas a péssima gestão do prefeito e sua queda de
popularidade esfriaram os ânimos. Enquanto caça novos não-candidatos midiáticos
que talvez queiram ser candidatos, preocupa-me a possibilidade do mercado
cansar de fingir que liga para a democracia. Começou, por exemplo, a pipocar notícias
sobre um possível impacto que a eleição de Lula teria sobre o câmbio, tática
que não foi bem-sucedida em 2002. O candidato fascista Jair Bolsonaro já começa
a buscar uma aproximação com nomes do mercado, tentando preencher o espaço dos
não-candidatos. Historicamente, o mercado já deu demonstrações de que não se
opõe a figuras deste tipo. A mesma revista que na sexta disse que o
não-candidato Huck havia “mudado tudo” com sua não-candidatura tem uma versão
de “Negócios”. A capa dessa semana fala sobre uma economia em “franca
recuperação” e sobre como o “populismo eleitoral de 2018 pode acabar com essa
recuperação”. Até onde o mercado está disposto a ir para segurar as reformas de
Temer ainda é incerto, mas já é claro que é uma turma que não tem nenhum apego à
democracia. Qual o plano B?